A primeira residência (parte 2)
No primeiro fim-de-semana do RESSOA, quando ainda mal nos conhecíamos e apenas havia a certeza de que trazíamos línguas, latitudes, instrumentos e tradições tão diferentes quanto possível, mergulhámos num exercício de partilha de histórias. A proposta começava com a pergunta: "Como chegaste aqui?" e atravessava todas as escalas, todas as formas de caminho.
Estávamos em pares no auditório da Moagem, com timidez nos gestos e no olhar. Cada um contou ao outro a história da chegada, de como acabara ali, à sua frente. Podia ter sido uma guerra, a procura de uma vida melhor, uma viagem de comboio com o resto do grupo, uma Open Call a que tinha respondido nas redes sociais. Tudo era possível.
Imagens: Carlos Andrés Lopez
Depois, o par devolvia três momentos marcantes que tinha ouvido, ou três palavras, ou sensações. Com base nesses momentos, o dono da história dirigia o outro a interpretá-la, fazendo com que a narrativa habitasse esse corpo que nunca a vivera, nunca a experimentara, numa pequena composição sem palavras. E trocavam.
Era o momento de apresentar ao resto do grupo. Enquanto um interpretava a história do outro, quem a tinha contado improvisava uma paisagem sonora com o seu instrumento, apoiando e reagindo aos movimentos do par. Sentia-se a vulnerabilidade, em alguns a responsabilidade de acolher e honrar uma narrativa difícil, noutros o divertimento por se verem representados, e em todos o momento em que surgia uma espécie de mitologia do grupo, um entrelaçar de narrativas partilhadas pelos que ali estavam.
Acolher a língua, os gestos e a vida de alguém no próprio corpo é um exercício de hospitalidade em ambos os sentidos: naquele que conta como no que recebe. Houve riso, gravidade, momentos de partilha onde todos eram vistos, ouvidos, em que se davam a ver, mesmo que através de outra pessoa.