O retorno
10h - PENHA SCO
Somos menos agora do que quando a viagem começou.
Sabíamos desde o início que seria assim. Que as chegadas e partidas fazem parte da natureza do comboio. Mas é difícil prepararmo-nos para elas, saber como de facto vão alterar o caminho e o destino.
Esta é a primeira sessão de criação daquilo que no fim do ano será o concerto final. Há uma certa timidez, mas vai surgindo, mesmo que a medo, a primeira peça do grupo - que, mais tarde, ganhará o nome de “Tá Chegá”.
A Marketa entrega-se ao processo.
O Leon arrisca: tenho uma ideia louca (é uma ideia louca e boa, mas não há tempo).
A Catarina oferece uma solução mais prática.
Numa discussão sobre que notas devem vir a seguir, alguém relembra: podemos sempre optar pelo silêncio.
A Matilde já consegue ouvir o comboio a aproximar-se, rompendo a música, transformando-se em música.
Construir uma viagem
Palimpsestos sobre a criação de “Tá Chegá”, a primeira composição do Ensemble RESSOA
#1
O som dos passos, das rodas sobre a ferrovia.
O som dos corações nas carruagens.
O som das paisagens que não se fixam na janela.
O som sempre abrupto da chegada e da partida.
O som do que vem, do que vai, do que passa.
O som do instante, do agora, da pressa.
Imagens: Carlos Andrés Lopez
#2
Um acorde dedilhado na guitarra compõe o retângulo de vidro ao lado do assento. Lá fora, o mundo sussurra:
“Vem cá, comigo, à janela”.
E o que é estático ganha movimento: uma montanha como uma onda; as folhas mortas das árvores como pássaros em voo.
#3
Alguém saltou um tempo de um compasso. Ou alguém andou um passo a mais.
Não importa, há um desfasamento. Um desencontro típico de quem vive a caminho de algum lugar.
Faz parte agora do trajeto.
Já estamos a chegar.
